Síntese Biográfica
RUI BARBOSA DE OLIVEIRA nasceu no dia 5 de novembro de 1849 na cidade de Salvador, Bahia. Morreu no dia 1.º de 1923 na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro.
Estudou na Faculdade de Direito de São Paulo. De volta à Bahia, advogou durante algum tempo, iniciando depois a carreira jornalística. Em 1878, foi eleito pelo Partido Liberal para a Assembleia Provincial, continuando, como deputado, a luta pela abolição da escravatura, que começara nos jornais. Ganhou alguma notoriedade com a tradução de uma obra que negava a infalibilidade do papa, para a qual escreveu um prefácio que lhe valeu a fama de anticlericalista. Paralelamente, lutava por um regime federativo de governo, “com a monarquia ou sem ela se for preciso”.
Com a proclamação da República, aceitou os cargos de ministro da Fazenda e vice-chefe do Governo Provisório. Tentou, então, uma reforma financeira que orientasse a economia para a industrialização do país. Essas medidas, muito criticadas, ficaram conhecidas por “encilhamento”. Eleito senador para a Assembleia Nacional Constituinte de 1890 pela Bahia, foi relator da Constituição Federal. Terminada a tarefa, renunciou à senatoria. Passou para a oposição depois que o presidente, Marechal Floriano Peixoto, dissolveu o Congresso Nacional. Em 1893, acusado de conspirar contra o governo, foi obrigado a se exilar.
De volta ao país em 1895, após o restabelecimento da ordem civil, foi o representante brasileiro na Conferência de Haia, realizada em 1907, na qual defendeu a igualdade jurídica das nações. Dessa atuação, veio o cognome de “Águia de Haia”. Em 1910, candidato à presidência da República, em oposição a Hermes da Fonseca, não conseguiu se eleger, embora tenha inflamado o país com sua campanha civilista. Na eleição seguinte, em 1914, retirou a sua candidatura declarando que o país, após o governo de Hermes da Fonseca, era o “espólio de uma casa roubada”. Candidatou-se de novo em 1919, perdendo, desta vez, para Epitácio Pessoa.
Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras e pertenceu a inúmeras agremiações culturais e científicas internacionais. Deixou vasta contribuição no campo jurídico, artigos em jornais (sobretudo no Diário de Notícias e na A Imprensa, ambos no Rio de Janeiro), obras fe polêmica, como A Réplica, e discursos, dos quais o mais famoso é a Oração aos Moços. Confira, abaixo, o trecho desse discurso feito para os concluintes do curso de Direito da Faculdade de Direito de São Paulo, em que ele fala sobre as suas derrotas políticas:
Essa remoção da metade total de um século de vida laboriosa para o desentulho do tempo não se podia consumar sem abalo sensível numa existência repentinamente decepada. Mas a comoção foi salutar; porque o espírito encontrou logo seu equilíbrio na convicção de que, afinal, chegava eu a conhecer a mim mesmo, reconhecendo a escassez de minhas reservas de energia, para acomodar o ambiente da época às minhas ideias de reconciliação da política nacional com o regime republicano. Era presunção, era temeridade, era inconsciência insistir na insana pretensão da minha fraqueza. Só um predestinado poderia arrostar empresa tamanha.
Desde 1892 me empenhava eu em lutar com esses mares e ventos. Não os venci. Venceram−me eles a mim. Era natural. Deus nos dá sempre mais do que merecemos. Já me não era pouco a graça (pela qual erguia as mãos ao céu) de abrir os olhos à realidade evidente da minha impotência, e poder recolher as velas, navegante desenganado, antes que o naufrágio me arrancasse das mãos a bandeira sagrada. Tenho o consolo de haver dado a meu país tudo o que me estava ao alcance: a desambição, a pureza, a sinceridade, os excessos de atividade incansável, com que, desde os bancos acadêmicos, o servi, e o tenho servido até hoje. Por isso me saí da longa odisséia sem créditos de Ulisses
Mas se o não soube imitar nas artes medrançosas de político fértil em meios e manhas, em compensação tudo envidei por inculcar ao povo os costumes da liberdade e à república as leis do bom governo, que prosperam os Estados, moralizam as sociedades, e honram as nações. Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral, a verdade constitucional, a verdade republicana. Pobres clientes estas, entre nós, sem armas, nem ouro, nem consideração, mal achavam, em uma nacionalidade esmorecida e indiferente, nos títulos rotos do seu direito, com que habilitar o mísero advogado a sustentar−lhes com alma, com dignidade, com sobrançaria, as desprezadas reivindicações. As três verdades não podiam alcançar melhor sentença no tribunal da corrupção política do que o Deus vivo no de Pilatos.
Quem por uma causa destas combateu, abraçado com ela, em vinte e oito anos da sua Via Dolorosa, não se pode ter habituado a maldizer, senão a perdoar, nem a descrer, senão a esperar. Descrer da cegueira humana, sim; mas da Providência, fatal nas suas soluções, bem que (ao parecer) tarda nos seus passos, isso nunca. Assim que a bênção do paraninfo não traz fel. Não lhe encontrareis no fundo nem rancor, nem azedume, nem despeito. Os maus só lhe inspiram tristeza e piedade. Só o mal é o que o inflama em ódio. Porque o ódio ao mal é amor do bem, e a ira contra o mal, entusiasmo divino. Vede Jesus despejando os vendilhões do templo, ou Jesus provando a esponja amarga no Gólgota. Não são o mesmo Cristo, esse ensanguentado Jesus do Calvário e aqueloutro, o Jesus iroso, o Jesus armado, o Jesus do látego inexorável? Não serão um só Jesus, o que morre pelos bons, e o que açoita os maus?