05 de maio de 2012
Agência Estado
Condenado pela Inquisição de Coimbra por fazer duras críticas à exploração dos escravos, o padre português Antônio Vieira foi privado, em 1667, do direito de pregar em público, além de ser obrigado a passar cinco anos como degredado, em Roma. Um doloroso castigo, pois os sermões transformaram Vieira, nas sábias palavras de Fernando Pessoa, no “imperador da língua portuguesa”. A punição foi amenizada, no entanto, pela amizade epistolar que o religioso manteve com Cristina Vasa, ex-rainha da Suécia que, depois de abdicar do trono, havia se mudado para a Itália, em 1656.
A silenciosa — mas intensa — relação entre eles inspirou a pesquisadora austríaca Gloria Kaiser a escrever O Poder Erótico (Reler Editora), livro que foi lançado no dia 3 de maio de 2012, no Rio de Janeiro. Baseada nos diários e nas cartas do padre e da ex-monarca, a autora reconstituiu, de forma delicada, mas precisa, uma sofrida e apaixonada relação. “Foi platônica, como bem afirma o historiador Ronaldo Vainfas na introdução de meu livro”, comenta a pesquisadora. “Mas também foi muito erótico”. Obrigado a se manter em silêncio, Vieira (1608-1697) tornou-se o capelão particular de Cristina, que conseguiu tal liberação diretamente com o papa Clemente IX. Ela já era admiradora de seus sermões, daí a insistência em manter um contato direto.
Na verdade, são dois personagens fascinantes. Antônio Vieira passou 62 anos de sua vida dedicado às atividades religiosa e literária, que dariam ao idioma português o mais esmerado dos tratamentos e o mais aprimorado domínio da técnica. Já Cristina Vasa surpreendeu o mundo ao abdicar do trono sueco em 1654 por motivos incertos. Aparentemente foram problemas para governar, como dificuldade na fixação de impostos e más relações diplomáticas com a Polônia.
Mas ela era uma mulher muito avançada, pois gostava de vestir trajes masculinos, nunca se casou e teve casos com homens e mulheres. O relacionamento entre o padre e a ex-rainha se baseou em encontros mais ou menos regulares no Palácio Riario, onde Cristina residiu. Vieira também participou em silêncio dos encontros da Accademia Reale, fundada por ela e centro de discussões intelectuais. Ele escreveu textos lidos pelos cardeais e por Cristina sobre temas diversos, como a ameaça dos turcos sobre a Europa ou críticas à sujeira e ao abandono em que se encontrava Roma.
No “Em Diálogo com Cristina”, ele abriu pouco a pouco a alma, comentou a escritora, observando que o padre se lembrou de admirações passadas para sublimar o desejo. Quando se referiu à rainha Dona Luisa, Vieira disse: “No momento em que me deparei com Dona Luisa, fui tomado por enormes forças e desejos, e uma labareda de fogo surgida de algum lugar proibido invadiu a minha vida. Encontrei um mundo que eu ainda não havia pisado”. A amizade uniu o religioso e a rainha até 1675, quando o papa Clemente X absolveu Vieira das acusações da Inquisição. Não voltaram mais a se falar, apesar da insistência de Cristina. Quando morreu, em 1689, ela foi sepultada na Basílica de São Pedro, entre papas, a pedido de Padre Vieira.